Desespero negocial em Doha
Depois de uma noite não dormida (ou mal dormida) e de um plenário informal que estava agendado para as 10h (7h em Portugal) e que conta já com mais de duas horas de atraso, o desespero começa a tomar conta de muitos delegados com voos marcados, dividindo-se as opiniões entre os que acham que não será possível conseguir um acordo e os que acham que tal é viável, apesar de, e como sempre, serem decisões enfraquecidas em relação ao necessário.
Autoria e outros dados (tags, etc)
Apelo de emergência das ONG: Doha está à beira do desastre
Seis das maiores ONG de ambiente e de desenvolvimento do mundo endereçaram hoje em Doha um apelo de emergência aos governantes, ricos e pobres, sobre as conclusões das negociações climáticas a decorrer no Qatar. A iniciativa é subscrita pela Quercus, que partilha as preocupações expressas.
O mundo está a enfrentar uma grave emergência planetária, devido à desestabilização do clima da Terra causada pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa, emitidos, sobretudo durante o último século e meio. Os impactes climáticos já estão a afetar milhões de pessoas em todo o mundo devido às temperaturas mais altas, à subida do nível do mar e ao degelo dos glaciares. E muitos milhões mais serão afetados na próxima década, à medida que avançamos na direção das alterações climáticas irreversíveis, se os líderes mundiais não tomarem medidas ambiciosas aqui em Doha.
Apesar da urgente crise climática para as pessoas e para o planeta, os países ricos e industrializados passaram as duas semanas em Doha a tentar baixar mesmo para o mínimo o que seria necessário para um acordo que realmente atenda à ação climática sobre cortes de emissões, financiamento público climático e de perdas e danos.
O fosso entre as conversas e a realidade foi destacado por uma carta aberta assinada por movimentos sociais de todo o mundo em desenvolvimento, pedindo a todos os governos para adotarem políticas fortes e abrangentes, em vez de bloquearem uma década por inércia.
Este apelo, intitulado "Uma carta para os ministros e negociadores que se preocupam com as pessoas e com o clima" foi escrito por seis organizações: Action Aid, Christian Aid, Friends of the Earth, Greenpeace, Oxfam e WWF. Lança uma chamada de emergência aos ministros e negociadores afirmando que a sociedade civil não será cúmplice de um resultado em Doha que vai arriscar a vida de milhões de pessoas.
O mínimo que as pessoas e o planeta precisam de Doha é um acordo que responda às seguintes questões:
• Existe alguma esperança que os países desenvolvidos tenham a ambição de reduzir pelo menos 40% das emissões até 2020, com base em 1990?
• Existe uma forma de exigir que todos os países desenvolvidos acelerem o corte das suas emissões até 2014?
• As emissões excedentárias (do 1º período de compromisso do Protocolo de Quioto) vão ser totalmente canceladas?
• Será negado o acesso aos mecanismos de mercado para aquele não participarem no 2º período de compromisso de Quioto?
• Será adotado, com largas hipóteses de ser ratificado, um 2º período de compromisso?
• Doha vai acordar sobre o financiamento público climático necessário para aqueles que já são afetados pela mudança climática e ajudar a transformação necessária nos países em desenvolvimento?
• Há um compromisso claro de que o financiamento público climático vai aumentar em 2013 até 2020 e conseguir os ainda que insuficientes 100 mil milhões dólares americanos por ano?
• Existe um claro compromisso para conseguir pelo menos 60 mil milhões de dólares americanos novos e adicionais, de financiamento público entre 2013 e 2015?
• Será que 50% do financiamento climático será dirigido para a adaptação?
• Será conseguido um mecanismo internacional para lidar com as perda e danos, para além dos impactes da adaptação?
• Será que Doha vai garantir que o futuro acordo climático global em 2015 é ambicioso e equitativo:
• Será que um futuro acordo climático tem uma referência explícita à equidade, responsabilidade partilhada e capacidades diferenciadas?
• Será que vai incluir um programa de trabalho equitativo?
• Será que vai ter um plano de trabalho para o aumento o nível de ambição pré-2020 ambição, refletindo a realidade científica?
As seis organizações mundiais comprometem-se a nomear e envergonhar os países desenvolvidos que estão a bloquear mesmo este pequeno pacote que nos dá apenas um vislumbre de esperança de que os governos são sérios sobre a luta contra as alterações climáticas.
Autoria e outros dados (tags, etc)
Discurso da Ministra do Ambiente – os compromissos certos que Portugal tem de defender na Europa e concretizar em casa
Foi um pouco depois das 16h30, hora de Doha (13h30, hora de Lisboa), que a Ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, Assunção Cristas endereçou o plenário no contexto do segmento de Alto Nível da Conferência do Clima (vídeo anexo).
Estes discursos são sempre curtos (máximo de três minutos, até excedidos por Portugal). Duas partes caracterizaram o texto de Assunção Cristas – uma primeira, reafirmando os resultados que a União Europeia e também Portugal pretendem que sejam atingidos nesta reunião, nomeadamente a continuação do Protocolo de Quioto, a necessidade de se traçar um caminho para um novo acordo ambicioso em 2015; a segunda parte foi dedicada ao trabalho doméstico.
Neste capítulo, para além de mencionar o facto de Portugal já estar a sentir as consequências das alterações climáticas nomeadamente com a seca recente, mencionou o cumprimento pelo país das metas traçadas para o primeiro período de Quioto 2008-2012, o Roteiro Nacional de Baixo Carbono que perspetiva o futuro, e o destinar das verbas geradas a partir de 2013 pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão em áreas relacionadas com o clima (na prática, a maioria da verba é para suportar o défice tarifário associado à eletricidade de fontes renováveis).
Aproveitou aliás para citar o estudo da Rede Europeia de Ação Climática, GermanWatch, também com a participação da Quercus, onde Portugal ficou como o 3º melhor país industrializado em termos de desempenho climático. Mencionou ainda o surgimento de novas medidas relacionadas com a mitigação de emissões em Portugal, com o surgimento do próximo Plano Nacional para as Alterações Climáticas até 2020, bem com a concretização, mesmo em tempos de crise, do encaminhamento dos recursos financeiros resultantes do comércio de emissões para apoio a países lusófonos, em particular em os países africanos da CPLP. Segunda a Ministra, Portugal tem uma oportunidade de concretizar uma política climática ambiciosa. A Quercus só espera que os resultados e os comprometimentos anunciados em eventos internacionais desta natureza sejam mesmo efetivados pelo Governo.
Autoria e outros dados (tags, etc)
"Mais de 190 países debatem no Qatar formas de enfrentar as alterações climáticas"
Na SIC: "Realiza-se até sexta-feira mais uma conferência da ONU sobre alterações climáticas. Mais de 190 países debatem as formas de enfrentar as alterações climáticas, em Doha, no Qatar, numa altura em que os cientistas têm alertado para que o tempo se está a esgotar para evitar consequências mais gravosas da mudança climática."
Autoria e outros dados (tags, etc)
Abertura do "Segmento de Alto Nível" com os habituais alertas
Apesar da Conferência ter quase duas semanas de trabalhos, a parte mais relevante e em que se concretizam eventuais decisões é o chamado segmento de alto nível, cuja abertura acaba de decorrer. Já com os ministros de ambiente de praticamente todos os países do mundo presentes, entre hoje, dia 4, terça-feira, e sexta ou eventualmente sábado se os trabalhos se prolongarem, serão estes políticos que determinarão em parte o caminho, melhor ou pior, que o planeta vai seguir no que respeita às alterações climáticas.
Na sessão de abertura, a secretária-executiva da Convenção, Christiana Figueres apresentou os temas que aguardam progresso e decisão num centro de conferências construído numa estrutura que se baseia numa árvore característica do deserto – a sidra. Apelou à ambição e determinação dos decisores a bem da qualidade de vida das próximas gerações. Seguiu-se a intervenção do Presidente da Conferência, o Vice-Ministro do Qatar Abdullah bin Hamad Al-Attiyah e depois do Presidente da Assembleia das Nações Unidas, Vuk Jeremić que mencionou a necessidade de apostar nas energias renováveis e numa sociedade de baixo consumo, apelando a uma rotura para que o mundo fique melhor do que o encontrámos. [texto do discurso]
A intervenção seguinte foi a do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que mencionou o facto das alterações climáticas serem uma crise a todos os níveis. Deu exemplos das consequências, desde o degelo do Ártico às imagens de Nova Iorque e Pequim submersas em água. Entre outros alertas mencionou que “nós coletivamente somos o problema e por isso nós temos de dar as soluções. (…) Cada atraso significará um aumento dos riscos. (…) Temos de atuar já e com urgência. O ritmo e a escala de ação não são suficientes. Considerou que é preciso ter cinco decisões chave em Doha: acordar um 2º período de compromisso do Protocolo de Quioto: assegurar financiamento de longo prazo para o clima para se atingir 100 mil milhões de dólares em 2020; que há esforços conjuntos de mitigação e adaptação; a necessidade de suporte ao Fundo Climático Verde e ao Centro Tecnológico Limpo; que os governos conseguem assegurar que conseguimos ultrapassar o intervalo entre o atual nível de mitigação proposto e o que é necessário para não se ultrapassar mais de 2º graus em relação ao nível pré-industrial. “Vamos acelerar a transformação necessária e vamos abandonar a empatia e ter ambição. (…) Vamos provar às próximas gerações que temos visão.“ [texto do discurso]
Falou ainda o Emir do Kuwait, Sabah IV Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah, e finalmente o Sheikh Hamad Bin Khalifa Al-Thani, Emir do Qatar (na foto). Este último mencionou o atual clima internacional complicado em termos económicos e de segurança e do papel que as alterações climáticas estão a ter no desenvolvimento sustentável de todos os países a todos os níveis. Lembrou que não há fronteiras e que deve ser abordado de forma integrada e onde a assistência dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento é fundamental. Combater as alterações climáticas implica vontade política e cooperação internacional e estamos ainda longe das aspirações das populações.
Mencionou que o Estado do Qatar (recordista mundial em emissões per capita), já sente os impactes negativos das alterações climáticas e sente também a necessidade de reduzir as suas emissões, mas que é necessário conciliar o desenvolvimento com estas preocupações. Listou os projetos de mitigação existentes e em implementação, nomeadamente os painéis fotovoltaicos que fornecem 12% da energia elétrica do centro onde esta conferência está a ter lugar. Um discurso de agradecimento e promoção do Estado do Qatar, sempre cuidadoso em não mencionar o papel dos combustíveis fósseis, tão caracterizador desta região do Golfo Árabe, nas emissões de gases causadoras das alterações climáticas.
Adenda: os textos dos discursos estão disponíveis aqui em ingês e árabe.
Autoria e outros dados (tags, etc)
LCA e ADP – Siglas importantes neste momento da conferência
A Convenção, e dentro dela o Protocolo de Quioto, consubstanciam muita da sua ação através de grupos de trabalho eu definem objetivos, práticas, detalhes. Em 2007, na reunião da Conferência das Partes em Bali foi criado o Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre Cooperação de Longo Prazo (AWG-LCA) que pretendia dar origem a um acordo global para o clima a ser formalizado em Copenhaga. Como se sabe, tal não foi bem sucedido, mas esse grupo tem prolongado o seu trabalho, que no entanto a União Europeia e também as organizações não governamentais de ambiente, entre outros, consideram que deve terminar aqui em Doha. Há diversas áreas que ainda estão em decisão e que podem ser continuadas pelos chamados órgãos subsidiários (SBI e SBSTA), ou passar para o novo grupo Ad Hoc da Plataforma de Durban (ADP), cuja missão é construir um novo acordo para 2015 e assegurar compromissos de redução até 2020.
No primeiro caso (LCA), o texto atual revela falta ambição e integridade ambiental, não mencionando por exemplo nada no que respeita a financiamento para o período 2013-2015, isto é a continuação de apoios para o clima que já vigoraram em 2011-2012, rumo ao objetivo de atingir 100 mil milhões de dólares em 2020. Com diversas partes em itálico (isto é, que precisam ainda de aprofundamento) incluindo o ano em que se deve verificar o pico de emissões ou o aumento máximo de temperatura que se deve atingir desde a era pré-industrial, o texto passa também para mais tarde decisões necessárias e relativamente simples como um acordo sobre o ano base para contabilização das emissões ou os potenciais de aquecimento global dos diferentes gases.
Quanto ao ADP, de ontem (dia 3) à noite, há um novo texto que é mais geral e fraco que o anterior, e que remete para meados de 2013 o desenhar e o verdadeiro início dos trabalhos rumo a um futuro acordo. Em Doha, pouco se está a avançar…
Autoria e outros dados (tags, etc)
Primeira manifestação ambiental no Qatar
Foram cerca de duas horas, entre as 8 e as 10h da manhã, ajudados por um sol escondido entre algumas nuvens e com uma temperatura de 24 graus, que cerca de 500 manifestantes de todo o mundo percorreram cerca de três quilómetros ao longo da avenida marginal junto ao centro de Doha e às águas do Golfo Pérsico. O apelo, que se repete todos os anos durante a Conferência das Nações Unidas, foi desta vez muito mais modesto por comparação com anos anteriores, nomeadamente com a manifestação que em Copenhaga em 2009 envolveu 100 mil participantes ou mesmo a do ano passado em Durban com muitos milhares.
Este foi um protesto devidamente autorizado pelo Governo do Qatar num país que pouco sai à rua em eventos desta natureza e onde a contestação em relação ao uso continuado de combustíveis fósseis, em particular ao petróleo, a favor de uma economia mais verde, foi um dos principais apelos. Num ambiente muito organizado (com autocarros disponibilizados pelas autoridades, caixotes para recolha seletiva de resíduos e até distribuição gratuita de água), só algumas afirmações mais contundentes de algumas associações destoaram numa marcha que pretendia, apesar da temperatura exterior, aquecer uma conferência até agora demasiado morna em termos de decisões. No final haveria mesmo declarações de um enviado pelo Presidente da Conferência Abdullah Bin Hamad Al Attiyah a dizer que os alertas das populações continuariam a ser escutados…
Várias organizações ambientalistas árabes, a WWF, outras federações africanas e mundiais e também a Quercus, lá estiveram como solidariedade para com todos os que apelam a uma mudança das políticas nacionais e mundiais pelo clima.
Autoria e outros dados (tags, etc)
Expectativas da Rede de Ação Climática para Doha
Expectativas Para Doha COP18[Resumo em inglês] [Documento integral em inglês]
A Rede de Ação Climática (CAN, na sigla em inglês) é a maior rede mundial da sociedade civil, com mais de 700 organizações em 90 países, que trabalham em conjunto na promoção da ação governativa para lidar com a crise climática. A Quercus é membro da CAN Internacional fazendo parte do núcleo regional da Europa, a CAN Europa.